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Esta obra foi selecionada pela Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet
 
 
 
 

 

 
:: Quem é quem » Diretores » Niels Petersens (1944 - 1999)
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Meu irmão, o autor e diretor de teatro Niels Petersen, nasceu em 1944. Ele escrevia desde criança. Eu, cinco anos mais nova, queria escrever como ele. Também quando criança ele ganhava concursos no Jornal do Brasil fazendo historinhas.

Com 23 anos, começou a empresariar artistas. Trouxe Tuca e Miele ao Clube Central. Era um show famosíssimo! Depois, fez shows no DCE, que tinha sido inaugurado na época. Mais tarde, criou o Grupo Decisão, com o qual trabalhou como ator e diretor.

Encenamos nos anos 1970: “O Porão”, Marginália”, e “O Asilo”, entre outros espetáculos.
Quando chegamos ao DCE o Grupo Laboratório já estava com José Carlos Gondin, que era o diretor do Grupo. Niels chegou trazendo artistas: levou Milton Nascimento, Geraldo Vandré, Maria Bethânia. Nesse tempo, já estávamos ensaiando “O Porão”.

A história de “O Porão” é fictícia. Certa vez, vi na revista Veja que em Nova York existe mais população de rato do que de gente. Como num Big Brother mais louco, os ratos saem dos porões e dos esgotos e invadem a cidade. As pessoas correm para lugares onde não havia ratos, e as pessoas se encontravam lá. A peça não era de humor. No porão que servia de refúgio, ficaram um negro, uma lésbica, um gay e uma perua. Então, no início, antes de irem para o refúgio, todos eram carinhosos, se abraçavam, mas conforme o tempo passa, criam-se conflitos e cada um discrimina o outro.

“Marginália” era muito anárquica e política, mas com muito humor. Acho que misturava tudo isso. A princípio, aliás, foi feita assim, para enrolar a cabeça da censura. A Estátua da Liberdade chegava a um país em que não cabe a liberdade. Vem de um país muito pequeno, já que também não cabia lá, e é mandada para cá, embora também não caiba aqui, num país ditatorial. Era um “samba do crioulo doido”: colocaram as bruxas de ”Macbeth" ao lado de bobo da corte, príncipe, imperatriz, e outros personagens infantis junto a personagens adultos. Tenho muita saudade dessa época, era muito bom. Toda vez que nos apresentávamos, o DCE ficava lotado.

“O Asilo” Niels começou a trabalhar no Nordeste. Foi lá que conheceu Elba Ramalho, que nessa época queria vir para o Rio fazer teatro. De fato ela veio e acabou cantando com a Tânia Alves e fazendo teatro com o Tonico Pereira. Tonico era um barato! Trabalhava num banco, chegava de terninho, e todo mundo hippie de teatro, com aquelas roupas doidas. Chegava de terninho e uma pasta, tirava um macacão, e descabelava-se todo. Virava um dos nossos.

Eu fazia parte do Grupo Decisão e Tonico era do Laboratório, mas todos se encontravam no DCE. Praticamente todos iam lá, porque diariamente tinha ensaio. Acabava o ensaio do nosso grupo, começava o ensaio do outro, e a gente ia se encontrando. O pessoal do Decisão era Geraldo Marcos, Rita Gaudart, Rubélia Silva, Juvenal Silva, Giga, Paulo Carvalho, Luci Figueiredo, Nelly Grecco.
Com o Decisão, vamos até “O Asilo”, e depois o grupo acaba. Acho que porque o DCE ficou meio que parado e meu irmão foi para João Pessoa, fazendo “A Noite das Mal Dormidas”, com o Carlos Adib, assim que retornou. Nessa época, o Decisão já não existia mais.

Niels lançou então a peça em Niterói, no Teatro Municipal, e depois no Leopoldo Fróes, por dois finais de semanas. Acho que chegou a apresentá-la no Teatro Abel. Ficou 10 ou 15 anos em cartaz, e até hoje a peça é apresentada em São Paulo.
“As Mal Dormidas” tinha apenas três personagens, e foi a última peça do Niels, até porque ficou muitos anos em cartaz. No final, ele a fazia com dois personagens, tendo rodado o Brasil inteiro com essa montagem.

» Palavras do Diretor:

“Teatro experimental é tudo aquilo de novo que você possa fazer no teatro. Nós, por exemplo, do Grupo Decisão, estamos fazendo uma experiência em todos os terrenos: luz, som, dicção, dramatização, etc. Nossos ensaios se realizam nas ruas, nas praças públicas, em ônibus. Podemos montar uma peça em praça pública e levá-la da mesma forma num palco italiano ou arena. São laboratórios feitos de emoção, de agressão, expressão corporal, etc. Através desse processo, todos se conhecem perfeitamente, todos se libertam das tensões diárias e en¬frentam um personagem diferente.”.
(Em: Jornal O Norte, em 26 de novembro 1971)

“Em seu livro 1984, George Orwell define: ‘liberdade de dizer que dois e dois são quatro’. Essa fase também define o que estamos tentando fazer há algum tempo em nosso teatro e em todas nossas atividades. É simplista a idéia do D.C.E. como casa de espetáculo. Não somos uma passarela aberta para o exibicionismo de individualidades insatisfeitas nem ponto de badalações para os inconformados com o marasmo cultural e vivencial desta cidade sorriso, Niterói. Estamos em trabalho e o que propomos é menos medo, menos mediocridade, menos silêncio. Aqui denunciamos os muros, as portas falsas, as paredes violentamente erguidas contra a nossa consciência. Em suma, aqui exercemos nossa diária claustrofobia.”.

“Aqui [também] exercemos a liberdade que nos sobra. Se não conseguimos antes definir claramente o nosso objetivo, é nosso o erro. Julgávamos que o público já soubesse disso. Queremos afirmar que nosso compromisso é com um entendimento, cada vez mais claro e menos simplista, no instante que vivemos da realidade que nos cerca. Uma realidade que, não poucas vezes, nos mantém na condição de cegos, mudos e absurdos. Há muito tempo sabemos que o homem é animal político e por causa disso tentamos investigar nossa situação e questioná-la. Tentamos adquirir através do nosso trabalho uma visão do mundo mais humana possível.”
(Extraído do programa do espetáculo “Marginália”, de 1971)

“Quando a pessoa começa a fazer teatro, tem que ter consciência do que está fazendo. Não interessa à pessoa chegar no palco, dar o recado, e combater o que ele (o ator) é na realidade.”.
(Em: Jornal O Fluminense, em 01 de fevereiro 1973)

“Antes existia uma acomoda¬ção do público que assis¬tia teatro, e o ator, ao ser dirigido, tinha o seu pas¬so limitado com a chamada marcação, em que o diretor dizia até o momento em que ele teria que levantar o braço.
A marcação, no tea¬tro de laboratório, foi superada: o ator representa na vida e não no palco. Palco deve ser usado para se viver e não representar. É claro que o diretor dá suas recomendações ao ator, porém a liberdade em cena é muito maior dentro dessa inovação teatral.
Havia antes uma certa indiferença do ator para com o personagem. Mas hoje, com o teatro de laboratório, ator e personagem têm que estar condicionados. Entregue a uma atriz o papel de prostituta, en¬tão ela tem que estudar, procurar viver no meio ambiente, sentir as rea¬ções e os problemas daquele personagem”
(Em: Jornal A União, em 22 de Fevereiro de 1972)

NIELS PERTERSEN SOBRE O ESPETÁCULO “O ASILO”:

“‘O Asilo’ é tudo. Eu não o coloco numa época, eu coloco uma rainha com um bispo e uma atriz de cinema, sem me preocupar com qualquer período específico. Digamos, então, que ‘O Asilo’ seja uma situação mundial, de dois mil anos de civilização. Meu teatro é lógico, e se o faço aqui, é porque acredito nele, e em todos que o encenam.”.
(Em: Jornal O Fluminense – 25/01/1972)

Depoimento Nelly Grecco

Grupo Decisão