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                    que sai pela boca dos personagens, passa pela cabeça, 
                    e que é preciso vivenciá-los intensamente. Não 
                    dá para fingir, ou dar grandes ares de interpretações. 
                    Entrega-se, sabendo que aquilo faz parte da sua vida, e você 
                    tem que saber o que está dizendo, tem que entender. 
                    Não é só decorar o papel. 
                     
                    A diferença hoje é essa. O elenco não 
                    tem tempo ou vontade de se entregar. A única preocupação 
                    é decorar. E "Entre Quatro Paredes" 
                    exige muito dos três atores. A carpintaria da peça 
                    é sofisticada e cada personagem tem o seu momento, 
                    enquanto os outros dois descansam, um deles se esfola, assim 
                    sucessivamente. É um descanso entre aspas, já 
                    que está ouvindo o que o outro diz. Assim, ele está 
                    participando. Costumo dizer: “Essa lâmpada está 
                    acesa?” “Está”. “E não 
                    posso apagar?” “Não apaga”. “Então 
                    se é dia claro nos meus olhos e na minha cabeça 
                    eu vou estar lúcido eternamente”. Não 
                    se pode dizer isso somente porque está decorado. Se 
                    não for entendido, não é transmitido. 
                     
                    Como diretor, para conseguir transmitir essa idéia, 
                    converso com o elenco, tenho capacidade de perceber detalhes 
                    nos atores. Quem me ensinou foi o Silva Ferreira. 
                    Silva Ferreira, meu diretor no Grupo Os Provincianos, nos 
                    anos 1960, lembrava que quando Ziembinski dirigia Sérgio 
                    Cardoso, não dizia o texto da maneira como Zimba pretendia. 
                    Percebeu que ao falar, Sérgio passava a mão 
                    no tampo de uma mesa. Ziembinski, então, colocou uma 
                    toalha de veludo, aí ele começou a falar passando 
                    a mão em cima do veludo, e aquela coisa sensorial passou. 
                    Hoje, não há mais tempo para isso. Todos trabalham, 
                    ninguém se dedica ao teatro o dia inteiro para ensaiar 
                    ou refazer qualquer cena. Ensaia-se hoje, dois dias depois 
                    ensaia-se de novo.  
                     
                    A única vez em que ganhei dinheiro com teatro foi com 
                    "Navio Negreiro", porque Castro Alves caía 
                    no vestibular. Organizei debates, e num deles aconteceu algo 
                    estranho. O Geir Campos foi ver o nosso ensaio e disse: “Quem 
                    fica no navio, não fica de perna junta, fica de perna 
                    aberta para não cair”. Aí, eu disse: “Tá, 
                    mas esse navio é simbólico, não é 
                    um navio de verdade”. 
                     
                    Quando fizemos o ensaio para a censura, o censor pensou que 
                    fosse uma poesia, coisa declamada. A atriz Marga Abi-Ramia 
                    fazia a musa. Quando ela apareceu com aquele collant cor da 
                    pele, o censor olhou muito para ela. Tive que inflar a peça 
                    de cenas sexuais para que tivesse onde cortar e esquecer o 
                    aspecto político. Se as pessoas iam entender ou não, 
                    é outra coisa.  
                  
                    
                  Antonio 
                    Carlos de Caz - Ator | Grupo 
                    Os Provincianos 
                    
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