|   mãe 
                    queria 
                    ser cantora de ópera e meu pai me fez gostar de música. 
                    Ele tocava violino.  
                     
                    Voltando ao meu avô, ele se interessou pelos festivais 
                    e nós chegamos a ir a alguns promovidos pelo Sohail 
                    Saud. Ele me levava, ainda nos anos ’60. Ele ia de terno; 
                    muitas pessoas iam de terno.  
                     
                    Nos Festivais eu me lembro da História do Zoo e A moratória, 
                    com um grupo de Campos. Lembro da minha mãe me levando 
                    pra assistir uma peça com Norma Sueli – Música, 
                    divina música –. Eu tinha uns 7 anos. Ela me 
                    levou também pra ver E o vento levou no Cine Odeon. 
                    Eu tinha pessoas que me levavam pra esses eventos. Eu gostava 
                    muito, acho que por isso ninguém nunca se opôs 
                    a minha carreira no teatro. 
                    Depois disso eu resolvi investir na minha formação. 
                    Fiquei sabendo que ia ter um curso de teatro em Niterói, 
                    pelo INDC – Instituto Niteroiense de Desenvolvimento 
                    Cultural –. Aí eu me inscrevi. Esse curso ia 
                    ter uma seleção, um teste, uma entrevista com 
                    Sérgio Brito. Eu tinha de 14 pra 15 anos. Quando chegou 
                    a minha vez ele perguntou a minha idade. Eu fui vestida e 
                    maquiada pra não parecer que eu tinha 14 anos. Ele 
                    me deu pra ler um trecho de Morte e Vida Severina. Eu fui 
                    aprovada, fiz o curso de 3 meses. Quando o curso terminou, 
                    um assistente dele, de Niterói, chamado Almir de Oliveira, 
                    professor de História, autor de teatro, me chamou pra 
                    fazer uma peça adulta. Era eu, Sohail Saud, Flor de 
                    Maria e Nilberto Vilella. A peça era um velório 
                    que depois de um tempo se descobria que o defunto não 
                    estava morto. Flor de Maria me pegava de Karmanguia em casa 
                    me devolvia porque eu era menor.  
                    Mas, a peça foi proibida no Estado da Guanabara depois 
                    de estar praticamente pronta, e aí a gente resolveu 
                    ir pro interior: Itaperuna, São Fidélis... Só 
                    que aí chega a noticia que a peça foi proibida 
                    em todo território nacional, por atentado ao pudor, 
                    à família, à Igreja. Foi uma frustração 
                    muito grande.  
                    Mas, imediatamente recebi outro convite pra fazer Oscar Wilde, 
                    Um Marido Ideal. Maravilhoso! 
                    A produção era do Carlos Malheiros. A gente 
                    ensaiava no Teatro Municipal, e ficava por lá o dia 
                    todo. Lanchávamos na cantina do seu Augusto, que era 
                    no Teatro mesmo. À noite o Carlos Adib cantava música 
                    de Taiguara, num bar de frente para o teatro. Era muito bom. 
                    Mas a peça não vingou. 
                    Malheiros era um idealista, um sonhador. Ele tocava violão 
                    muito bem, e naquele tempo não tinha coragem de se 
                    assumir. Era tudo muito enrustido. Um belo dia, o Nilberto 
                    Vilela, que era muito amigo nosso, e fazia a produção, 
                    viu o ensaio, e depois viu todo mundo bebendo cerveja e o 
                    Malheiros chorando e cantando. Achou tudo aquilo muito pesado, 
                    e brigou com o Malheiros. Perguntou se ele não tinha 
                    vergonha daquilo tudo, porque afinal eu era menor. E eu era 
                    perdidamente apaixonada por Malheiros. Nilberto deu um basta 
                    e acabou com tudo. Resumindo: segunda peça que eu ensaiei 
                    e não estreei. 
                    Mas, como eu era rata de teatro, vivia minhas tardes inteiras 
                    dedicadas a estudar e ir pro teatro. Eu conheci Waldir Nunes, 
                    uma pessoa muito querida, que me apresentou a Washington Alves 
                    e a Conrado de Freitas, que eram os bam bam bans do teatro 
                    infantil na ocasião.  
                     
                    Quando acabou o curso com Sergio Brito, um ano depois o INDC 
                    deu outro curso com Haroldo Azevedo e eu fiz. Quando o curso 
                    terminou o Haroldo me convidou pra fazer uma peça chamada 
                    O Auto do Boi bum-bá, onde eu fazia Catirina. A gente 
                    ensaiava no colégio São Gonçalo e estreamos 
                    lá. Foi super legal. Mas antes eu já tinha estreado 
                    A gata Borralheira, no Municipal, em 1972, com direção 
                    de Washington Alves. 
                    A estréia do Auto foi muito aguardada. Estávamos 
                    todas de luto: eu, mamãe, minha tia, pois meus avós 
                    tinham falecido há pouco tempo. Tudo que eu queria 
                    era estrear, porque já tinha vindo de dois ensaios 
                    que duraram praticamente um ano e não estreei. Depois 
                    disso eu não parei mais. Trabalhava um pouco com Conrado, 
                    um pouco com Washington.  
                    Naquela época, era uma coisa muito séria. Eu 
                    lembro que o Washington era um diretor muito exigente. Ele 
                    dirigia muito. Ele falava assim: “nesta cena você 
                    se dirija à direita baixa, depois você vai pra 
                    esquerda alta”. Não tinha muita brincadeira. 
                    Conrado já era mais light. Washington não: ficava 
                    em cima. 
                     
                    Aí veio um papel maravilhoso que eu nunca vou esquecer: 
                    a Professora, de Três Peraltas na Praça. Waldir 
                    fazia o Faraó, Washington o Palhaço. A direção 
                    era do Paulo Matosinho. Nós estreamos no Leopoldo Fróes. 
                    E foi nessa peça que Dudu – Eduard Roessler – 
                    me viu. Ele disse pra mim que quando ele viu a professora, 
                    ele queria saber quem era a atriz. 
                    Depois d’A Gata Borralheira eu fiz Branca de Neve, no 
                    circuito SESC, que era muito legal. Era no mesmo lugar onde 
                    é hoje e tinha sessão aos domingos de manhã. 
                    Era ótimo, pois as crianças todas do morro desciam 
                    pra assistir. Era muito tranquilo, não tinha o problema 
                    que tem hoje. E em Branca de Neve o Conrado perguntou quem 
                    conhecia crianças para fazer os 7 anões. Eu 
                    disse que tinha um irmão pequeno. E foi assim que eu 
                    introduzi Carlinhos – Carlos Fracho – no teatro. 
                    Ele fez o Zangado.  
                    Já encarei diversos públicos. Lembro uma vez, 
                    em São Gonçalo, que fizemos o Auto do Boi Bumbá 
                    e foram 1000 pessoas assistir. A prefeitura teve que ter ajuda 
                    da PM pra acomodar todo mundo. Foi um sucesso, mas assustou. 
                     
                    Aí surgiu o Grupo Papel Crepom. Antes eu e Dudu fazíamos 
                    umas peças infantis e tal. Era eu, Dudu, Thiago Monteiro 
                    e Sidney Becker, que fazia um pouco de tudo. Fizemos durante 
                    muitos anos festinhas de aniversário. Quem faz aniversário 
                    faz qualquer coisa, porque é você de cara com 
                    aquelas crianças e salve-se quem puder. O público 
                    é muito diferente, os pais e os filhos, cada dia era 
                    diferente. Tem pai que presta atenção, que não 
                    tá nem aí, os lugares também são 
                    os mais diferentes. Lugar aberto, fechado, lugar que não 
                    tinha banheiro, em garagem, cozinha, sala... Tudo!!! 
                     
                    O GRUPO PAPEL CREPOM  
                  Em 
                    1979 a gente funda o Papel Crepom eu estréio em Cinderela, 
                    fazendo a irmã de David Varella. Ocupamos o Teatro 
                    Leopoldo Fróes durante um mês.  
                    Em ’80 estréia Tem Xaveco no Tablado. Era o sonho 
                    do Dudu – Eduard Roessler – fazer Teatro de Revista. 
                    Foi um gênero que ele pouco viu. Os outros atores não 
                    tinham visto nada.  
                    O Grupo Papel Crepom foi uma escola, mas Dudu nunca teve paciência 
                    de ficar dirigindo ator por ator. Talvez por ser muito meu 
                    amigo e conhecer o meu trabalho, muitas vezes ele não 
                    me dirigia, não pegava no meu pé. Ele dirigia 
                    o espetáculo; ele é diretor de espetáculo. 
                    Ao contrário do David Varella, também do Papel 
                    Crepom, que é diretor de ator. 
                    O Dudu fazia o cenário, o figurino e tudo mais, então 
                    o “Xaveco” foi um grande sucesso e a gente não 
                    parou mais. Vivemos momentos de glória, de ter público: 
                    “Ah, é Papel Crepom?! Eu vou!”.  
                    Depois de Tem Xaveco no Tablado, veio Araribroadway, e depois 
                    FacetoFace, que foi eu e Dudu, porque as pessoas falavam que 
                    queriam ver a gente, só nós dois. Mas mesmo 
                    assim, tinha todo mundo em volta também, porque era 
                    um grupo: ou fazia uma participação, ou fazia 
                    alguma outra coisa. E os infantis correndo solto. Muitos infantis, 
                    muitos aniversários. Acho que Dudu foi meu grande parceiro, 
                    a gente tinha cumplicidade em cena, se entendia no olhar. 
                    Acho que não encontro mais isso não. 
                    Em termos de infantil, os papéis que eu considero marcantes 
                    foram: a Professora – Três Peraltas na Praça 
                    –, depois a Bêbada, de Annie, a Pequena Órfã, 
                    que eu adorava, e a Mãe de Pluft, o fantasminha. Sohail 
                    Saud dirigiu três montagens com três elencos diferentes. 
                    Eu sempre fazia a mãe.  
                    A minha última peça no Papel Crepom, antes da 
                    minha volta ao teatro, foi a segunda versão de Sangue, 
                    Muito Sangue, em 1993.  
                     
                    PROCESSO DE CRIAÇÃO 
                     
                    Eu sempre fui intuitiva, sempre descobri coisas quando me 
                    deixei levar pela intuição.  
                    O início de qualquer processo meu é muito sofrido, 
                    porque eu acho que eu não vou ser capaz e que eu não 
                    vou dar conta daquilo.  
                    Isso aconteceu quando eu fiz o balé-teatro Dona Flor 
                    e Seus Dois Maridos. Tinha toda a parte de texto e tinha a 
                    maior parte da dança. O elenco era com Roberto Lima, 
                    Luciano Maia, Jorge Azevedo e Regina Sauer. A parte de dança 
                    foi idealizada por Helfany Peçanha, e quem dirigiu 
                    o espetáculo foi Marcio Augusto. Ele dizia pra mim: 
                    “Cristina você já sabe o que fazer”, 
                    e eu dizia que não, que eu não sabia. 
                    Em um ensaio, Helfany resolveu se meter na história 
                    e disse: “Cristina, solta a franga” e mostrou 
                    com o corpo como eu devia fazer. Eu fiquei constrangida; tava 
                    um pouco travada pela complexidade da coisa, e só resolvi 
                    mesmo quando a gente estreou. Numa cena eu fingi que o Vadinho, 
                    por ser muito brincalhão, apertava a minha bunda, e 
                    fingi pro publico que quando ele passou por mim ele me beliscou. 
                    O público morreu de rir. No final do espetáculo, 
                    Helfany disse: “Maravilhoso o que você fez!”. 
                    Eu gostei muito de ter feito, foi uma experiência bem 
                    diferente. O Marcio Augusto foi um dos diretores que acreditou 
                    em mim, que deixava criar e ter a liberdade de ser assim intuitiva. 
                     
                    Mas o meu processo de criação passa também 
                    pelo físico: uma unha azul, uma peruca... Bibi Ferreira 
                    diz que só descobre o personagem quando põe 
                    o sapato, e eu achei aquilo genial. Eu também ajo assim. 
                  No 
                    teatro adulto, as personagens que eu mais gostei foram: a 
                    Anfitriã, de Sangue, Muito Sangue; e a Waciléia, 
                    de Anormalistas. Pra Anfitriã eu tive que pensar numa 
                    roupa pra compor e eu descobri que a minha voz se modificava 
                    quando eu trocava de peruca. É uma personagem que eu 
                    adoraria fazer de novo. Em Anormalistas eram seis homens vestidos 
                    de normalistas que me levavam à loucura logo no começo 
                    da peça. E essa personagem eu só ganhei depois 
                    que eu coloquei um cacoete nela. Eu tava muito insegura, mas 
                    resolvi minha insegurança ou maluquice porque David 
                    Varella, que dirigia, me levou pra casa dele pra a gente conversar. 
                    Ele teve sensibilidade com o meu drama.  
                    Pra compor meus personagens, eu tenho que criar a minha historinha. 
                    Foi assim que eu fiz com Waciléia, em Anormalistas, 
                    e como eu fiz com a Ruth, a Mãe da leitura – 
                    Querida mamãe, de Maria Adelaide Amaral; 2010. Imagino 
                    que idade tem, como é a personalidade dela, como ela 
                    se vestiria, do que ela gosta, a música que ela gosta... 
                    Enfim: acho que isso ajuda. 
                  INTERVALO 
                  Eu 
                    parei de fazer teatro porque resolvi voltar a estudar, e que 
                    a minha vida ia ser outra.  
                    Eu fiquei 10 anos longe do palco, mas não sentia falta. 
                    Sentia falta das pessoas. 
                    O teatro me ajudou profundamente na psicologia. Eu nunca deixei 
                    de falar que eu era atriz. Todo o pessoal da minha faculdade 
                    sabia. As pessoas achavam que eu me expressava muito bem, 
                    que eu era desinibida, e era eu que apresentava os trabalhos, 
                    e por isso eu que li o juramento de formatura. 
                    Numa turma de 60 alunos eu falava com clareza e com um tom 
                    de voz alto, e isso é uma das poucas coisas de que 
                    eu me gabo: meu tom de voz. Isso é uma coisa do teatro. 
                     
                    Então, o teatro nunca saiu da minha vida. Não 
                    foi uma página virada. Eu nunca disse: “Nunca 
                    mais vou fazer”. 
                  A 
                    VOLTA 
                  Quando 
                    eu retornei, eu fui fazer uma peça chamada O grande 
                    caçador, uma lenda africana, onde muitos me criticaram. 
                    Mas, eu tive o autor Elymar de Oliveira ajoelhado na minha 
                    sala, literalmente, pedindo que eu fizesse a peça, 
                    e eu fiz. E não me arrependo. Valeu, ele tava feliz. 
                    Não me agradou o resultado, mas a função 
                    daquilo foi: “olha você ainda dá pro negócio”. 
                     
                    A próxima peça foi A Princesa e a Ervilha, com 
                    direção de Leandro da Matta e produção 
                    do meu irmão, Carlos Fracho. Eu li o texto e não 
                    gostei muito. Mas depois eu li de novo. Eu ia fazer a ama, 
                    mas resolvi que queria fazer a rainha.  
                    O texto não tinha o bobo da corte, e nós tivemos 
                    a idéia de um personagem que pudesse alinhavar o espetáculo, 
                    ajudar a mudar o cenário, mostrar as placas e tal. 
                    Stella Fracho faz esse personagem.  
                    Leandro foi muito aberto pra a gente criar. A historinha que 
                    eu criei pra essa rainha era que ela tinha inveja de uma prima 
                    francesa, e por isso falava com um sotaque, e também 
                    algumas palavras em francês. Estava tão à 
                    vontade no papel que acabei ganhando o prêmio de Melhor 
                    Atriz Coadjuvante no Festival de Rio das Ostras, em 2010. 
                    A estréia d’A Princesa e a Ervilha coincidiu 
                    com as leituras dramatizadas do Fórum de Teatro, no 
                    Municipal.  
                    Eu sempre gostei de leitura. Na época em que eu era 
                    diretora do departamento de teatro da ATACEN – Associação 
                    de Trabalhadores em Artes Cênicas de Niterói 
                    – eu promovi muitas leituras, ciclos e palestras. 
                    A leitura de Querida mamãe, de Maria Adelaide Amaral, 
                    com direção de Lucia Cerrone, com Wana de Souza 
                    Cruz no elenco, foi uma das melhores coisas que eu fiz. O 
                    processo foi surpreendente. A gente não imaginava que 
                    iria se tornar o que acabou se tornando. A gente parava de 
                    ler pra falar daquela situação. O texto mexia 
                    com a gente. Eu estou num momento que eu só faço 
                    o que me dá prazer no teatro. 
                    Eu ficaria horas falando de todo mundo com quem trabalhei, 
                    das coisas que passei. Por exemplo, não dá pra 
                    deixar de contar que fui dirigida por Silvio Fróes 
                    em Da lapinha ao pastoril. A direção musical 
                    foi do maestro Nelson Melin, o mesmo que dirigiu Bibi em Piaf. 
                    Eu tive que fazer teste. Fiquei uma pilha de nervos. Foi um 
                    sucesso, e ficamos amigos. 
                    Outro trabalho de que sempre me recordo foi O Auto da Compadecida, 
                    com direção de Ronaldo Mendonça. A produção 
                    era da UFF, e todos diziam que era um elenco de estrelas. 
                    Marcello Caridade fazia o padeiro e eu a mulher dele. Eu dividia 
                    o camarim com Jorge Azevedo. Sempre gostei de dividir com 
                    ele. Gosto muito de chegar antes ao teatro, de bater papo, 
                    me maquiar, falar com as pessoas, repassar texto. É 
                    assim que eu me concentro. 
                    Agora eu estou novamente no palco, e quero dizer que eu não 
                    me arrependo de absolutamente nada do que eu fiz, e se eu 
                    pudesse, faria tudo de novo. 
                  
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