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 Nasci 
                    em São João de Meriti e vim morar em Niterói 
                    porque meus pais se separaram. Minha mãe achou melhor 
                    que todos os filhos morassem com ele. Meu pai era Rosa Cruz 
                    e meu irmão mais velho, também. Frequentavam 
                    a sede da rua Presidente Backer. Lá, meus irmãos 
                    conheceram a Maria Jacintha, porque ela também era 
                    Rosa Cruz e estava montando um grupo. Começaram a ensaiar 
                    e me chamaram. Maria Jacintha me perguntou se não queria 
                    ajudá-la, ficar ao lado dela, ajudando-a nos ensaios. 
                    E fui me tornando assistente dela aos poucos. Em todos os 
                    ensaios, quando faltava um ator, ela pedia para eu ler. E 
                    eu lia para ajudar, mas quando ela me perguntava se não 
                    queria ser ator, eu respondia: “Isso não, absolutamente 
                    não!”. 
                     
                    Durante os ensaios de uma peça mística chamada 
                    “Alvorecer”, um ator que estava no elencoe 
                    se mudou para Barra Mansa, e a Maria Jacintha me perguntou 
                    se eu podia ir lendo, até ela arranjar um outro ator. 
                    Foi então que me disse: “Olha, você vai 
                    ter que entrar em cena, eu não acho ator de jeito nenhum”. 
                    Fiquei apavorado, morri de medo. Estreamos em junho de 1977, 
                    no auditório do Abel.  
                    Fizemos a peça às 17h, como se fosse um espetáculo 
                    infantil. O teatro estava lotado e eu apavorado, colando o 
                    texto toda hora, morrendo de medo de pagar um mico, esquecer 
                    o texto. Coloquei aquela túnica para fazer o coro e 
                    quando as luzes foram acesas, eu não enxergava nada. 
                    Quando acabou, todos aplaudiram e vieram atrás de mim: 
                    “Que voz linda, que imponência”. Disse para 
                    Maria Jacintha: “Não, sou um canastrão, 
                    estava apavorado, nunca mais me ponha nisso”. 
                     
                    Então, ela começou a ensaiar uma outra peça, 
                    e eu dei uma sumida. Maria Jacintha ensaiava “O 
                    Casaco Encantado”, de Lucia Benedetti. O ator que 
                    fazia o bruxo, também se mudou para outra cidade, e 
                    a Jacintha me perguntou: “Você pode nos ajudar?”. 
                    “Ajudo na leitura, mas nada de ator”. Fui lendo, 
                    lendo, lendo, e quando chegou perto da estréia, ela 
                    me disse: “Nós não arranjamos ator, vai 
                    ter que ser você. Vai deixar todos os seus amigos, seus 
                    irmãos, na mão?” E lá fui eu fazer 
                    o bruxo, e gostei. 
                    Jacintha nos deixava muito à vontade, mas era muito 
                    firme naquilo que queria. Voltava a cena muitas vezes, corrigia, 
                    mas não falava para fazer igual a ela. Uma vez, entrei 
                    com uma mão como se fosse suja, porque eu era um padeiro 
                    e ela disse: “Que mão é essa? Esquece 
                    essa mão. Está horrível. A mão 
                    tem que fluir, está forçado”. Discuti 
                    com ela, afinal era o padeiro. Pediu, então, que outro 
                    ator fizesse a cena com a mão suja. E aí, vi 
                    que estava, realmente, horrível. E ela também 
                    queria que eu dirigisse, achava que eu tinha o talento para 
                    dirigir. 
                     
                    Nessa época, já era amigo da Jacintha: frequentava 
                    a sua casa, jantávamos juntos... Os presentes que oferecia 
                    eram sempre livros, que era preciso ler, ler, ler. Nas conversas, 
                    falava sobre atores franceses, teatro grego. Os ensaios eram 
                    como um ciclo de estudos. Fizemos dois anos de leitura de 
                    Martins Pena.  
                    Fizemos de novo “O Casaco Encantado” 
                    com outro elenco, não necessariamente da Rosas Cruzes. 
                    Era o início do Teatro Estável de Niterói, 
                    com repertório, o que fazia com que estivéssemos 
                    sempre em cartaz. Sem sede, usávamos o Clube dos Árabes, 
                    em São Domingos. Cediam uma sala para ensaio, e com 
                    o prestígio que Maria Jacintha tinha, sempre arranjava 
                    uma verba com Orlando Miranda para os nossos espetáculos. 
                    Maria Jacintha assumiu a direção de teatro da 
                    FAC – Fundação de Atividades Culturais 
                    – e criou o Teatro Estável de Niterói. 
                    Em dezembro de 1978, estréio a primeira peça 
                    como profissional: “Anfitrião 38”. 
                    Estreamos no Teatro Municipal lotado com 500 pessoas! No elenco, 
                    entre outros, Marcos Toledo, Ricardo Fagundes, Miriam Teresa 
                    e Breno Bonin. Fazia o Trombeta. 
                     
                    Em seguida, veio “A Canção Dentro 
                    do Pão”, texto de Raimundo Magalhães 
                    Junior. Continuávamos no Clube São Domingos 
                    e no Clube de Regatas Icaraí. Eu e Jacintha abrimos 
                    uma conta para administrarmos a verba. Andava pela cidade 
                    de bicicleta correndo atrás de produção. 
                    Fazia tudo, para mim foi uma escola. Tinha que atuar, correr 
                    atrás, comprar figurinos, tecidos, pedir doações 
                    nas lojas. Estava com 20 anos.  
                    A gente já estava ensaiando há seis meses e 
                    nada de estrear, e aí entrou o Jeferson Beltrão, 
                    que já tinha feito “O Casaco Encantado”. 
                    Estreamos na Associação Médica, que nós 
                    estávamos transformando em um teatro. Antes, era um 
                    auditório. A nossa idéia era transformar em 
                    um teatro mesmo, e o Orlando Miranda fez uma proposta para 
                    os administradores da Associação, com verba 
                    especifica. Enviou até um arquiteto, mas o teatro tinha 
                    que ser administrado por eles, do INACEN – Instituto 
                    Nacional de Artes Cênicas. A Associação 
                    não aceitou. 
                     
                    Como grupo de Niterói, inauguramos, logo depois de 
                    Walmor Chagas, o Teatro da UFF. A primeira peça adulta 
                    foi “A Canção Dentro do Pão”, 
                    em 1982. Em ’83, fizemos “Cidade Assassinada”, 
                    também na UFF. Um texto dificílimo de Antonio 
                    Calado. A partir desse espetáculo, pedi a Jacintha 
                    para me envolver mais no processo de criação. 
                    Me meti na iluminação, e ficou muito legal. 
                    Me meti nos figurinos, e pesquisei tecidos e cores. Eu era 
                    ator e também produtor. Era uma peça muito difícil 
                    para atores que estavam começando, muito pesada, de 
                    muito texto, e eu não queria que ela fizesse. Disse 
                    que a peça não era ainda para nós, era 
                    muito complicada, além de o elenco ser fraco. Falei 
                    para fazer uma outra, mas ela estava irredutível. Fizemos 
                    e ficamos em cartaz um mês. Teve público, mas 
                    foi muito criticada, porque os atores não seguravam. 
                    E ela disse que as pessoas tinham que nos ver como nós 
                    éramos, começando, que tinham que entender que 
                    a gente estava iniciando, e que o projeto era com um belo 
                    texto, que tínhamos que aprender a dizê-lo. Os 
                    ensaios demoraram bastante, quatro4 meses, porque era uma 
                    escola, um processo muito vagaroso e minucioso. 
                     
                    Jacintha decidiu que eu dirigiria “O Milagre do 
                    Arco-Íris”, de Vanda Fadel, uma amiga dela. 
                    Apareceram Marcello Caridade, Claudio Handrey, Jaqueline Brandão, 
                    Eleusa Mancini. Isso em 1984. Ela disse que queria que eu 
                    assumisse a direção, e sem a intervenção 
                    dela, que só iria fazer uma pequena supervisão. 
                    Mas eu não queria. Aquela turma toda não combinava. 
                    Realmente não combinava! Um caos! Então eu disse 
                    que não ia fazer, pois não estava me sentindo 
                    preparado. E ela também não fez.  
                    Depois fui para o Grupo Papel Crepom, onde onde atuei em espetáculos 
                    como “Sangue, muito Sangue” e “Adão 
                    e Eva”. Ela até ia me assistir, mas houve 
                    um distanciamento muito grande quando eu parti pra outros 
                    grupos. Na verdade, eu queria experimentar outras coisas, 
                    conhecer outras coisas e pessoas. Eu disse pra ela que éramos 
                    só nós dois, sofrendo muito pra fazer teatro. 
                    Na época, ela já não tinha muita saúde, 
                    e eu não queria ficar preso a isso. 
                     
                    Posso dizer que tenho a maior consideração por 
                    tudo que ela fez por mim, e que eu gostaria de ter continuado 
                    o Teatro Estável, mas a gente não estava conseguindo 
                    seguir. Eu estava há dois anos só fazendo teatro, 
                    e precisava trabalhar em outra coisa, ganhar a vida, pois 
                    não estava entrando dinheiro no meu bolso, e ela também 
                    já estava cansada. 
                     
                    Depois da minha partida com a Jacintha, eu participei de muitos 
                    grupos da Cidade. Entre eles, como eu disse, o Papel Crepom, 
                    além da Cia Falk. Assim que eu me afastei, eu dirigi 
                    “O Assalto”, em 1987, num projeto da 
                    prefeitura chamado Sete em Ponto. No elenco, Evans de Brito 
                    e Ricardo Brandão. Nessa época formava-se o 
                    Grupo dos Cinco, composto por Elyzio Falcato, Ricardo Brandão, 
                    Luis Claudio, Evans de Brito e eu. O grupo tinha toda a aparelhagem 
                    técnica do teatro, e com ele eu dirigi “Pinóquio”. 
                     
                    Posso dizer que eu sempre pulei de um grupo para outro, porque 
                    para o que me chamam eu faço. Mas eu tenho saudades 
                    da minha cidade, de como ela era, da época em que a 
                    gente trocava mais, conversava mais.  
                     
                    Hoje falta de espaço mesmo. O Leopoldo Fróes 
                    era um lugar que a gente chegava e estava sempre aberto. A 
                    gente ia lá pra tomar um café, beber uma cerveja, 
                    bater papo, falar de teatro, e a coisa toda acontecia, como 
                    em “O Assalto” e acredito que como em 
                    muitas outras peças. Na época, os festivais 
                    fervilhavam, principalmente no Leopoldo Fróes. Na realidade, 
                    tudo vinha de lá, daquela casa, que era nossa: o nosso 
                    lugar pra conversar, pra chegar, trocar idéias, criar, 
                    ensaiar, e tudo mais. Mesmo quem não era ator estava 
                    lá com a gente, bebendo cerveja com a gente. Lá, 
                    os artistas se juntavam ao público formado por amigos 
                    de atores e fãs.  
                     
                    O Teatro da UFF também era muito bom. Fizemos com o 
                    Ronaldo Mendonça nos anos 1980 “O Auto da 
                    Compadecida”. Foi lá também que eu 
                    estudei mímica moderna com Luis Lima e assisti palestras 
                    do Ron Daniels, entre outros. A UFF ajudava culturalmente 
                    a cidade. Hoje ela não participa de quase nada. O teatro 
                    não é disponível, os projetos não 
                    acontecem. Naquele período nós fizemos muitos 
                    festivais de dança. Como eu disse, era uma época 
                    efervescente. Hoje em dia eu produzo quando eu acho que aquilo 
                    tem a algo dizer... Que tem todo o envolvimento do elenco, 
                    de pessoas que abraçam aquela causa, que querem, pois 
                    é esse o ambiente propício ao espetáculo, 
                    e é disso que eu gosto. Não adianta pegar um 
                    projeto com pessoas negativas envolvidas. Por isso, não 
                    me considero produtor, pois eu só produzo aquilo que 
                    acho que vale a pena. 
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